Psicodelia criativa
- Gregório Rodrigues
- 18 de mar. de 2016
- 3 min de leitura
Se você é daqueles que se metem a críticos literários e não sabem compreender o louvor aos clássicos, por julgá-los excêntricos por demais, você certamente classifica a obra-prima de Lewis Caroll no extremo da estranheza. Não por acaso, se bem analisado com olhos objetivos, o livro é, de fato, sem pé nem cabeça. Imagine então você, depois do filme com Johnny Depp, ver o teatro do Grupo Giramundo, que estreia a adaptação teatral em bh.

Pois foi justamente assim, embasbacados, que ficamos ao término da peça. Mas o que muita gente não sabe é que a explicação dessa sandice encontra-se a Síndrome de Todd, da qual, segundo se hipotetiza, sofria o autor Lewis Caroll.
Trata-se de uma desordem neurológica que afeta a drasticamente a percepção sensorial, proporcionando distorções bizarras do espaço, tempo e imagem corporal. Feqüentemente associada a tumores cerebrais, uso de drogas psicoativas (incluindo cogumentos alucinógenos e LSD) e, principalmente, enxaqueca, o paciente descreve os objetos exteriores, assim como percebe a si mesmo, de forma bastante dismórfica. São associações possíveis também a apraxia, agnosia, alterações de linguagem e delírios. Quadro clínico esse muito bem ilustrado tanto na escrita de Lewis, quanto nas adaptações. Veja só como sugerem os seguintes fragmentos da estória * Macropsia: [...] "E que flores enormes devem ser aquelas!” foi o que pensou em seguida. “Como se fossem cabanas sem teto e com hastes... e que quantidade de mel devem produzir.” * Micropsia: [...] No entanto, aquilo era tudo menos uma abelha comum: era um elefante... * Alteração da perspectiva: [...] quanto mais ando em direção ao ovo, mais longe ele parece ficar. *Alucinação: [...] Todo tipo de coisas aconteceu ao mesmo tempo. As velas cresceram todas até o teto, parecendo um canteiro de juncos com fogos de artifício na ponta. Quanto as garrafas, cada uma se apossou de um par de pratos, ajeitando-os rapidamente como se fossem asas, e assim, usando garfos como pernas, saíram esvoaçando para todo lado –“se parecem muito com pássaros”, pensou Alice.
* Afetação tátil: [...] No seu pavor, agarrou o que estava mais perto da sua mão, que calhou ser a barba da Cabra. Mas a barba pareceu se dissolver quando ela a tocou.
* Afetação da linguagem: [...] Começou a recitar, mas sua voz soava rouca e estranha e as palavras não vieram como costumavam.
* Afetação auditiva: [...] De onde vinha o barulho, Alice não conseguia distinguir: o ar parecia repleto dele, e ressoava em toda a sua cabeça até deixá-la completamente surda. * Distorção da percepção das formas: [...] Alice agarrou o bebê com certa dificuldade, pois a criaturinha tinha uma forma estranha, com braços e pernas esticados em todas as direções “Igualzinho a uma estrela do mar” pensou Alice. * Distorção da percepção da própria imagem corporal: [...] Seu queixo estava tão comprido contra seu pé que mal tinha como abrir a boca. * Sensação de encolhimento ou crescimento: [...] Que sensação estranha!” disse Alice; “devo estar encolhendo como um telescópio!” [...] ”Agora já estou espichando como o maior telescópio que já existiu! Adeus, pés!” (pois quando olhou para eles, pareciam quase fora do alcance de sua vista, de tão distantes). [...] Sentiu a cabeça forçando o teto e teve de se abaixar para não quebrar o pescoço”. * Dissociação: [...] “Quem é você?” perguntou a lagarta“Eu... eu mal sei, Sir, neste exato momento... pelo menos sei quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por várias mudanças desde então”“Que quer dizer com isso? Esbravejou a Lagarta. “explique-se!”.“receio não poder explicar”, respondeu Alice “porque não sou eu mesma, entende?”“Então, acha que está mudada, não é?”“Receio que sim, Sir”, disse Alice. “Não consigo me lembrar das coisas como antes...”[...] “E agora, quem sou eu? Vou me lembrar, se puder! Estou decidida!” mas estar decidida não ajudou muito.
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